sexta-feira, 10 de junho de 2011

Credora do universo

Esta semana fui à consulta de psiquiatria. Foi a segunda vez. Só lá fui porque a oncologista me "obrigou". Parece que faço perguntas demais, a maior parte delas repetidas desde o primeiro dia, muitas deles desprovidas de sentido... é o que parece que faço. E deve ser verdade, na medida em que nunca ninguém me respondeu a nenhuma de forma clara e inequívoca. Continuo a tentar aprender a viver com uma bomba relógio dentro do meu corpo, de preferência sem fazer perguntas parvas para as quais não há respostas... Juro que são incrivelmente simples...

Mas na consulta de psiquiatria de ontem descobri-me a verbalizar um sentimento que nunca tinha aparecido assim, de forma tão estruturada que fosse possível explicá-lo. E explica tanta coisa... 

Antes de o revelar, peço-vos que não pensem que concordo com ele, nada disso. Acho este sentimento impróprio e, acima de tudo, muito injusto para os que me rodeiam. Mas acabo de perceber que tem regulado muito da minha vida e das minhas relações com os outros.

O que se passa é que eu sinto que o universo, logo tudo e todos que o compõem, me estão a dever. A dever o quê? A dever tudo. Depois de ter passado por toda a dor que um cancro implica ter de sofrer, das angústias aos terríveis e temíveis tratamentos e seus terríveis e temíveis efeitos secundários, eu esperei, muito sinceramente, que o mundo passasse a girar à minha volta...

Que nunca mais ninguém me chateasse, que o meu marido andasse sempre preocupado comigo e me desse mimos e flores todos os dias, que os meus amigos me convidassem sempre para tudo o que fazem e que aceitassem todos os meus convites, que aparecessem e se afastassem ao sabor das minhas vontades e desejos, que os meus chefes não me exigissem esforços, que os meus colegas não trouxessem problemas para eu resolver, que pudesse ir trabalhar só quando me apetecesse e alguém haveria de fazer o que eu deixasse para trás, que os policias não me obrigassem a parar nas operações stop que fazem todas as madrugadas de segunda-feira quando eu vou para casa (ai a senhora tem/teve cancro? ah, então faça favor de seguir)...  Na verdade, foi o que aconteceu durante algum tempo, até tudo voltar ao "normal".

Algo me diz que eu iria detestar essa vida que me centrasse em volta de um cancro que nunca aceitei como meu apesar de tudo indicar que me pertence. Mas na verdade, tenho vivido nessa permanente expectativa de atenção certa e garantida porque... sou uma pessoa psicologicamente frágil em alguns dias da semana, portadora de uma doença crónica e incapacitante toda a semana, que tem de fazer das tripas coração para não se sentir uma vítima do tal bandido do universo e aceitar - como todos à voltam acham -, que sou uma pessoa normal. 

Beijos e a minha gratidão a quem leu isto tudo até ao fim.
Se calhar o melhor é não voltar à psiquiatra. Isto cansa.
T.



9 comentários:

Trintinha disse...

Querida TeresaP,
Venho deixar um beijinho e um abraço...
E dizer que o texto é bonito e que é sincero, como tudo o que leio aqui...
Eu acho (e quem sou eu para achar alguma coisa?) que faz bem expulsar todos estes sentimentos cá para fora, quem não os perceber, paciência. E acho que tudo isto só demonstra uma coisa...uma grande humanidade... Não é fácil tentar ultrapassar todas as mágoas, muitas delas colam-se como se já fizessem parte das pessoas, e se calhar já fazem. A verdade é que há dias melhores e dias piores, e são os dias melhores que mostram que vale a pena continuar com todo o espírito.
Deixo um abracinho e... se fizer mais bem do que mal ir à psiquiatra, se o balanço for positivo, acho que deve continuar...
Saudades...

Susana Neves disse...

Teresinha.
Li até ao fim, claro. Não sei se ajuda, mas percebo-te muito bem. Verbalizaste aquilo em que tenho pensado muitas vezes. Por um lado queremo ser tratadas como pessoas "normais" (a minha oncologista, com o seu enorme sentido de humor, diz que nunca mais serei uma pessoa normal) e por outro que nos mimem, como mimaram na fase crítica da doença. Deve ser normal, digo eu, querer esquecer e não conseguir. Também tenho um post meio alinhavado sobre isto.
Continua a ir às consultas, se te ajudam a exteriorizar sentimentos reprimidos.

Beijinhos grandes e desculpa se o meu comentário não faz muito sentido. Ando meia baralhada.

sonia disse...

Como eu te compreendo querida Teresa,principalmente aquela parte das perguntas e não obtermos respostas,saio de lá muitas vezes com uma frustração enorme...
Em relação ao psiquiatra,vai se realmente veres que te faz bem e confias nele,para mim é muito importante a confiança.
De resto não posso opinar,porque como sabes não fui mais trabalhar...,mas quanto aos mimos somos todas(os)iguais.
E,sim,nunca mais voltamos a ser as mesmas...

Beijinho cheio de luz

Anónimo disse...

TP Lindona, pois eu também sinto isso. No início achei que ia ter o mimo inteiro do mundo e arredores. Mas durou muito pouco. E as pessoas que convivem comigo até se dão ao luxo de ignorar a minha presença e falar dos outros que têm algum cancro com compaixão e piedade. O meu não conta. Já percebi. É só um, é pequenino e eu funciono... No fundo eu também acho que não há doenças boas e o melhor é conviver com isto tudo durante mais uns anos e tentar colher e guardar bons omentos como são os que a nossa sociedade ganguista nos proporciona. E vamos lá a ver se chego a netos!!!! lol
Beijoquinhas
Madalena

Anónimo disse...

Desculpa TP. Só falei de mim. Sabes como eu acho que os mais novos deviam ser os mais bafejados pela cura e pela sorte. Tu, claro! O que é que eu posso fazer por ti?
Também dou por mim a achar que faço tudo mal, como acontece aqui... beijinhos
Madalena

Nela disse...

Hehehehe... Desculpa estar a rir-me, mas lembrei-me de um pequeno apontamento que vem muito a propósito...
Há uns tempos, um colega meu estava a desabafar, muito contrariado com aquelas pequenas/grandes chatices de trânsito. Dizia ele: aquela rotunda é um verdadeiro cancro! De repente, parou, olhou para mim e disse: ah, desculpe, mas percebe o que eu quero dizer, não é?!

Tive vontade de lhe dizer que eu não tinha tido uma rotunda, que ele podia falar à vontade; mas fiz um sorriso amarelo e ele lá continuou a vociferar contra a bicha que o tinha atrasado...

E esperei, simultaneamente, que me olhassem como uma pessoa normal em frente de quem se pode dizer tudo, e tivessem cuidado com o que diziam à minha frente!

Mulher, continua a ir ao psiquiatra que estás a ir bem! Vê lá se não te fez bem descobrires este sentimento dúbio?! Fez!

Beijocas

Lina Querubim disse...

Entendo-te na perfeição,
senti exactamente o mesmo sem tirar nem pôr, verdade!!

Anónimo disse...

Hi there, passei por aqui --- sempre algo a me despertar! I love it! =)

Maria de Lourdes disse...

Olá Teresa
Passei por aqui como faço outras veses,embora não deixando comentário,há já uns tempos que não tenho andado bem psicológicamente.
Os teus sentimentos não admiram a ninguem que já passou pelo que tu estás a passar, mas sim á´quelas pessoas que axam que estamos a aproveitar para sermos mais mimadas
mas ninguem está livre de mais cedo ou mais tarde, passar pelo mesmo.
Viver em terras pequenas para isso
é demais, sou vista como uma pessoa sempre bem disposta, mas a partir da doença passei a ser mais seletiva nas conversas, se alguem precisar de uma palavra de ajuda estou cá, mas deixei de me expor como fazia.
Quanto a médicos, o meu Oncologistan na primeira consulta disse-me que estava lá para escrever e não para coversar,foi logo uma simpatia.
Doente soofreeeee!!!´
Desejo que essa tua fase passe e que tudo melhore: beijinho