sábado, 23 de junho de 2012

Tudo menos suavidade

Comecei este blogue quando estava muito mal. Após um inesperado diagnóstico de cancro, o mundo parou, a vida suspendeu-se e eu, qual Alice, entrei num enorme labirinto, com muitas falsas saídas e uma porta fechada.
Cerca de um ano depois, o mundo voltou a girar para os outros, a vida deles seguiu em frente e só eu continuei parada, agarrada à minha surpresa, à minha dor física e mental, à revelação de que daí para a frente o trajecto seria só meu e teria de percorrê-lo sozinha. A porta continua fechada e o labirinto continua a baralhar-me mas assusta-me cada vez menos. Já percebi como vou sair, é mesmo por aquela única porta, porque a entrada, essa, fechou-se para sempre. A saída é ali à frente, por onde todos passaremos, de preferência sem monstros e sofrimento e sempre o mais tarde possível.

O plano continua a ser o mesmo: continuar no labirinto por tempo indeterminado, a passo lento, agarrando-me a tudo o que me possa proteger. Há por lá imensa gente nas mesmas condições mas eu não os posso ajudar, nem eles a mim. Em certas alturas, percebo claramente que nem todos juntos valemos alguma coisa; não somos propriamente uma manifestação de polícias ou médicos, nem sequer pilotos ou controladores aéreos, mas um monte de gente perdida, um pouco invisível, maioritariamente idosa, sem forças para lutar contra quem não quer tratar de nós, contra quem nos larga em salas de espera de hospitais sem nos dar palavra, contra quem não nos providencia todo o cuidado de que precisamos.

Em suma, é uma viagem solitária, porque tem mesmo de ser e porque é assim que queremos que seja, poupando os que nos amam de poderem examinar os destroços, perante o nosso embaraço. Agradeço a todos os que me ajudam a seguir em frente nesta luta diária. Infelizmente, preciso que saibam, sem eu vos dizer, que viver às voltas num labirinto é mesmo uma grande merda. Há quem não queira ver isso e espere de mim aquilo que não posso dar: a suavidade de uma vida tranquila e despreocupada. As preocupações e responsabilidades de uma vida normal de família e trabalho cabem com aperto no meu labirinto repleto de agulhas, hospitais, medicamentos, incertezas e medos, e as explosões acontecem...

Nunca fui pessoa de grandes desistências, não seria agora que o faria. Nunca desistirei desta luta. Ela é, como já disse antes, um legado a deixar à única pessoa a quem ainda tenho algo a ensinar e será levada assim, como uma missão. Sempre fui dada a tensões e hoje começo a acreditar que era vida a preparar-me para isto. Tanto dei e tanto levei que sei manter-me em pé numa boa briga. Não sou corajosa, nem gosto que me digam isso porque sei que não é verdade, mas sou dura de roer. E vou continuar a lutar, só não esperem suavidade, não esperem suavidade de mim...





T.

7 comentários:

laura disse...

Li.

Não exageras?

Há dias assim.

Abraço apertadinho

Teresa disse...

Olá, Laurinha, claro que exagero.
O que custará andar há anos a tentar debelar uma doença que nunca se curará em mim, e criar uma filha que se quer feliz, cuidar de uma casa, tentar fazer bem um trabalho que me consome quase todas as horas do dia? Nada, claro, há tantos que o fazem... E andar de médico em médico sem ninguém saber o que fazer comigo até que apareça uma metástase num órgão e, aí, sim, mandarem-me fazer quimio (que é a única coisa que relamente sabem mandar fazer).
Nunca vi ninguém feliz numa situação assim, mas há gente para tudo. Eu não estou.
Beijocas,
T.

Anónimo disse...

è complicado....difícil.........tb tenho medo de um dia metastizar e ficar perdida...nesse labirinto...ainda bem que há uma porta que se vai abrir....força e serenidade acima de tudo...muita serenidade
.......................

Anónimo disse...

Mana, querida,
Só posso dizer te que estou aqui sempre e que continuo a achar que vai correr tudo bem, mas compreendo que tudo bem, não é a expressão correcta para este tema...
Continua a fazer, o melhor que consegues, mas não te deixes levar pela pressão de teres que fazer tudo, e bem... dá-te o tempo, não exijas demasiado de ti, faz o melhor possível para te sentires o melhor possível... aproveita o tempo, faz o que é importante de facto, porque pressão já tens de um monte de incertezas e de agulhas e de hospitais...
Adoro-te mana, e és corajosa sim, não duvides!

Anónimo disse...

♥♥♥

Anónimo disse...

and I love you so, exactly as you are, the whole package. =) ml

Anónimo disse...

Anonimo acima lembrou bem, o sofrimento sozinho nao 'e tudo, mas parte de um todo. 'E preciso nao colocar a dor num pedestal, mas ficar fingindo que esta tudo bem, sorrindo, embelezando e suavizando tudo tambem nao 'e pra mim nao. A questao 'e que cada um ve, interpreta e extrapola de acordo com a cabeca e o coracao que tem. Nao tenho direito de julgar e generalizar que o que me serve, servira para outrem. Cada um de nos tem parte da razao. O que eu quero que fique registrado 'e que o carinho, a compaixao, a presenca, o entendimento e ATENDIMENTO fazem uma enorme diferenca. te amo, ml